Topo

Verdadeira Bibi Perigosa fala sobre novela, falso moralismo e a vida no tráfico: "É um preço muito caro, não vale a pena"

michellekaloussieh

04/08/2017 15h37

Fabiana ainda mora na Rocinha, mas não se envolve mais com o tráfico (Foto: Divulgação)

Em "A Força do Querer", novela das 9 da Rede Globo, um núcleo anda dando o que falar: o que conta a história de Bibi Perigosa e Rubinho, que são inspirados na história real de Fabiana Escobar e seu ex-marido, Saulo de Sá Silva, conhecidos como a baronesa e o barão do pó.

Na trama, Rubinho (Emílio Dantas) é preso por tráfico de drogas e sua mulher, Bibi, interpretada por Juliana Paes, passa a colaborar com o marido e também a fazer transações ilegais, o que inclui subir o morro, negociar com traficantes e frequentar bailes funk recheados de drogas e armas.

Os telespectadores têm achado um absurdo que a Rede Globo esteja tratando do assunto. Alguns dizem estar havendo uma romantização do mundo do tráfico, outros dizem que a novela incentiva pessoas a entrarem para a "bandidagem". A autora da novela, Glória Perez, tem sido acusada de "idolatrar o tráfico".

Bibi está relançando o livro "Perigosa", em que conta seu lado da história (Foto: Divulgação)

 

O Blog conversou com Fabiana Escobar, a Bibi Perigosa da vida real, que relançará livro "Perigosa" na Bienal do Rio de Janeiro no dia 2 de setembro. Confira a entrevista abaixo:

Blog do Amaury Jr.: Como você conheceu a Glória Perez?

Fabiana Gomes: Em 2009 passou uma matéria sobre mim no "Fantástico", e comecei a ser atacada. Como precisava mostrar o meu lado, criei meu blog e ela compartilhou no Twitter. Fui agradecê-la, e a partir daí começamos a conversar. Na época, Glória estava escrevendo a novela "Salve Jorge", e queria saber mais sobre o dia a dia da comunidade.

Blog do Amaury Jr.: E como você ficou sabendo que viraria personagem de novela?

Fabiana Gomes: Pouco tempo depois, a Glória me mandou uma mensagem avisando que alguém entraria em contato para saber da minha história. Relatei tudo o que vivi, e costuramos o personagem.

Blog do Amaury Jr.: Você se reconhece na interpretação de Juliana Paes?

Fabiana Gomes: Eu sabia desde 2013 que seria ela a responsável por viver a minha história na novela, e ela não poderia ser mais fiel. Da Bibi da novela, só o Caio não existiu. Do resto é muito eu. Tem gente que me liga falando que não consegue me enxergar na personagem, mas ela me representa muito bem. O sentimento, a intensidade, o sofrimento, era assim que eu reagia também.

Blog do Amaury Jr.: E o romântico Rubinho? Também se parece com o Saulo?

Fabiana Gomes: Também! Mesmo com o jeito pacato e articulador, Saulo era muito romântico e carinhoso comigo. Nunca me agrediu. Sempre me enviava cartas, fotos, flores e até carros de presente. O festival de fogos, que passou na novela, eu ganhei de verdade. Nosso casamento sempre foi assim. Se a gente estivesse em uma ilha deserta, a gente se bastaria.

Blog do Amaury Jr.: Você ficou casada por 14 anos com o Saulo. Como era o dia a dia do casamento com o "Barão do Pó"? Existia um luxo?

Fabiana Gomes: Dentro da comunidade era fácil parecer ter mais dinheiro, destoava, mas era sujo. O dinheiro chegava, mas não tinha como gastar. No tempo que o Saulo estava foragido, a gente não podia sair do morro, eu só podia sair sozinha. Esse dinheiro basicamente era pra gente sobreviver ali dentro, com medo até de dormir, não ia salvar a gente. As pessoas e a mídia só olham a parte boa, o "luxo", não focam nas penalidades, na cadeia, no arriscar a vida. É um preço muito caro, não vale a pena.

Blog do Amaury Jr.: Depois que o Saulo foi preso você continuou tocando o tráfico e se tornou a "Baronesa do Pó", a "Bibi Perigosa". Existiu uma pressão para que você assumisse o negócio?

Fabiana Gomes: Não é uma decisão. Não é como um emprego que você vai no RH e se demite. Existiam uma série de fatores que me comprometeram para assumir o tráfico depois que o Saulo foi preso. Eu sou mãe de dois filhos, precisava colocar arroz e feijão no prato, fora a manutenção do meu ex-marido na cadeia, tudo isso ia piorando a minha situação. Efeito dominó. Você resolve um caso para apagar a fogueira do outro.

Blog do Amaury Jr.: Quando você assumiu o tráfico, foi necessário aprender algo que antes você não sabia que fazia parte do dia a dia do trabalho?

Fabiana Gomes: Na época eu usava o meu conhecimento, minha facilidade de negociação para algo ruim. As coisas foram acontecendo naturalmente e eu ia resolvendo. Conceito videogame nível hard: você vai passando as fases, só que nesse caso você tem uma vida e você está colocando ela em risco o tempo todo.

Blog do Amaury Jr.: E o fato de você ser mulher? Rolava um machismo?

Fabiana Gomes: Não comigo. Eu sou uma pessoa de temperamento bem forte, não sou magrinha, fofinha, não faço o esteriótipo menininha e isso em si já assusta um pouco os homens. No tráfico, eu conversava de homem para homem, então por isso, comigo, acredito que não.

Blog do Amaury Jr.: Você mora até hoje na Rocinha e não se envolve mais com o tráfico. Como você tem atuado na comunidade atualmente?

Fabiana Gomes: Além do livro que está sendo relançado, trabalho como roteirista no projeto "Rocywood", que dá mais visibilidade às equipes de produção e grupos de teatro aqui da Rocinha. Inclusive fomos premiados no Festival de Curta Metragem de Atibaia, por exemplo. Abrimos novas possibilidades para quem se interessar na porta da casa delas, saímos do estereótipo "favelados" para sermos reconhecidos como cinegrafistas.

Blog do Amaury Jr.: O senso comum tem uma opinião conservadora sobre a "história da traficante sendo exibida na novela", como mau exemplo sendo passado na TV. Qual a sua opinião?

Fabiana Gomes: Observando todas as opiniões, notei que exitem três grupos de pessoas: as que não sabem de nada e comentam mesmo assim, as que preferem repetir a opinião para seguir a maioria e as que se identificam e sentem raiva por sentir a mesma coisa. Os dois primeiros estão fechados na própria informação e não conseguem enxergar que não é uma homenagem, eu não estou ganhando uma praça. É uma história real, eu não fui a primeira, nem vou ser a última. Paralelamente à novela, mulheres como eu se encontram na mesma situação ou até pior. Por que elas não viram notícia? A Gloria não quer glamurizar, não é um exemplo casar com um bandido. É falso moralismo e barato. Espero que agora, com o livro "Perigosa", as pessoas saibam o meu lado da história.

(Por Michelle Kaloussieh e Natália Antunes)

Sobre o autor

Amaury Jr. é jornalista e apresentador de TV. É o mais conhecido colunista social do Brasil e considerado o criador do colunismo social eletrônico no país, onde mantém um programa de TV há 39 anos ininterruptos.

Sobre o blog

O blog traz notícias, bastidores e informações exclusivas sobre quem é assunto no showbiz, na cultura, na política, nos negócios e em todas as rodas sociais.

E-mail: contato@amauryjr.com.br

Amaury Jr.