Jornalista Lúcia Guimarães faz relato estarrecedor sobre abuso na infância
michellekaloussieh
01/10/2018 17h03
A jornalista Lúcia Guimarães escreveu uma coluna estarrecedora sobre o abuso que sofreu na adolescência na edição desta segunda-feira 1, no jornal O Estado de São Paulo, nunca mencionado antes "em sessões de psicanálise", e só alertado, "antes de publicar, a única pessoa da minha família que tem direito de saber primeiro":
"É viva a memória do estampado no vestido que usava naquela tarde, quando o homem se masturbou ao meu lado no cinema. Eu tinha 8 anos e era a última sentada à esquerda ao lado de quatro ou cinco amigas e um adulto. Sei que foi no antigo cinema São Luiz, na Rua do Catete. Tenho vaga lembrança de que éramos acompanhadas pela mãe de quatro meninas que moravam do outro lado da rua, no bairro do Flamengo.
Não me lembro do título do filme. Afinal, a agonia se estendeu interminável e eu, apavorada, olhava para baixo, para meu vestido de malha verde-abacate com estampado em tons de marrom. É possível que minha mãe, que morreria no ano seguinte, já estivesse internada e a pessoa adulta nos acompanhando não era próxima o bastante para eu ter coragem de pedir ajuda.
Tenho certeza de que nada revelei sobre aquela tarde a qualquer pessoa. Tenho absoluta certeza do que aconteceu. E a duração do abuso se deveu ao fato de que nunca tinha visto um pênis ereto ou alguém se masturbando. Quando o homem usou sua perna direita para apertar a minha perna esquerda, fiquei confusa. Olhava aquele objeto entumecido no escuro e não conseguia compreender a agitação do homem. Sentia repulsa, mas saí do cinema sem entender completamente o que havia acontecido. Só ficou claro anos depois.
Não importa aqui como este incidente, que só terminou perto de acenderem as luzes do cinema, me afetou. Sou avessa à autopiedade pública. Houve outro, menos danoso, com um professor de meia-idade, quando tinha 16 anos. Nada aconteceu porque eu era tão estúpida e desligada que ele ficou exasperado e desistiu da conquista. Não devia ter coragem para violência, testava a menor adolescente para ver se cairia na sua piedade romântica.
Nunca, até hoje, mencionei o que narro aqui, nem em sessões de psicanálise, no final da adolescência. Só alertei, antes de publicar, a única pessoa da minha família que tem direito de saber primeiro. E sinto desconforto com jornalismo confessional".
Sobre o autor
Amaury Jr. é jornalista e apresentador de TV. É o mais conhecido colunista social do Brasil e considerado o criador do colunismo social eletrônico no país, onde mantém um programa de TV há 39 anos ininterruptos.
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