Dr. Jou Eel Jia - Você é o que você come

Por Dr. Jou Eel Jia. 

Formado em medicina ocidental e membro da Academia Chinesa no Brasil.

Dr. Jou Eel Jia.

Colunistas do UOL

Alimentar-se de maneira saudável é um ponto fundamental para o desenvolvimento da consciência e uma importante ferramenta para trilhar o caminho da saúde e da cura. A importância da alimentação saudável já foi destacada de modo enfático há mais de dois mil anos, pelo grego Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.), considerado o pai da medicina ocidental. Ele afirmava que somos o que comemos, relacionando assim pela primeira vez o que ingerimos à nossa condição de saúde e às doenças do corpo físico. Outra frase famosa de Hipócrates é: "Que seu remédio seja seu alimento e que seu alimento seja seu remédio. Nela, está explícita a condição do alimento como agente de cura e mantenedor da nossa saúde. Podemos afirmar também que por meio do alimento pode haver expansão de consciência e cura da alma. Quando falamos sobre o papel dos alimentos em nossa vida, falamos não só da importância de uma alimentação saudável, mas também das curas realizadas a partir de alimentos utilizados como remédios, desde a Antiguidade. É o caso, por exemplo, da recomendação de se ingerir tireóide de carneiro por uma criança com deficiência da tireoide.

Já se sabia também naquela época que a alimentação pode transformar o humor e a consciência das pessoas. Houve um tempo em que soldados eram alimentados com carne vermelha porque ela proporcionava a agressividade necessária para o campo de batalha. Por outro lado, em lugares mais serenos e calmos como os templos, recomendava-se o jejum ou a ingestão de alimentos mais leves e sem gordura, para facilitar a prática de meditações mais profundas e processos de autoconhecimento. Praticantes de meditação experientes não ingerem nem mesmo água durante essa prática. As vezes só é permitido sorver o orvalho matinal das flores, considerado mais puro. Tudo isso para entrar no estado profundo de silêncio e contemplação, observar seu mundo interior e sua transformação.

A goji berry é uma frutinha vermelha conhecida há pouco tempo no Ocidente – e que recentemente virou moda no Brasil -, mas já era bem conhecida pelos orientais na Antiguidade, pela propriedade que tem de expandir o yang do fígado. Por isso é indicada para grandes oscilações emocionais. De acordo com a medicina chinesa, ela clareia a energia do fígado e da vesícula biliar, melhorando a função digestiva e reduzindo a gordura no sangue. (Aqui no Brasil, pela força dos modismos, dizem que a fruta combate até o excesso de peso.) Aprendi desde pequeno que a goji berry era usada para tratar problemas de visão e dificuldades de concentração.

A combinação dos alimentos permite não só curar doenças mas também facilitar o fluxo de energia e melhorar a percepção do mundo. Um exemplo de fácil compreensão pode ser encontrado nos restaurantes japoneses, onde há grande consumo de alimentos crus de origem animal. Os pratos também sempre vêm acompanhados de gengibre e cebolinha. Peixes e frutos do mar contêm muito vin, e essa energia é sedimentada e depositada no organismo, gerando, nos termos da medicina tradicional chinesa, umidade e turvacidade no baço e no pâncreas. Isso causa desorganização na energia do corpo, que vai perdendo a capacidade circulatória e a fluidez. A cebolinha e o gengibre, por sua vez, são picantes e favorecem a circulação da energia nutricional. A cebolinha faz com que a energia superficial aflore e a energia vin circule, evitando que se acumule e fique estagnada. O gengibre tem o poder de eliminar o acúmulo de friagem no organismo, dissipando a congestão de energia provocada pela friagem dos frutos do mar. Esse tipo de alteração não ocorre se alguém comer frutos do mar crus esporadicamente, mas, se esse consumo for habitual, a energia aos poucos vai acumulando e causando bloqueios. O depósito dessa energia jin proveniente da alimentação crua causa sua estagnação e gera a turvacidade, que se transforma em umidade, obstruindo os meridianos de energia e gerando mucosidade, que impede a circulação normal do chi. É quando acontece a somatização e surgem as doenças, no caso distúrbios gastrointestinais (decorrentes da friagem); dor de cabeça com a sensação de aperto (causada pela umidade e turvacidade) e enxaqueca.

Cuidar da alimentação é muito importante porque isso tem uma ação preventiva que fortalece nossa energia, nos ajuda a enfrentar crises externas e facilita o processamento do mundo e da realidade. Hoje em dia, para ter boa saúde não basta consumir alimentos saudáveis; é preciso também evitar alimentos cultivados com agrotóxicos. Convém prestar muita atenção à origem dos vegetais que consumimos pois, se os alimentos são também nossos remédios, eles têm que ser sadios e de boa qualidade. A goji berry, por exemplo, é vermelha porque tem licopeno, substância que melhora a circulação sanguínea e ajuda no funcionamento do fígado, que é nossa reserva de sangue. O licopeno oxida e assim protege a energia do fígado, aumentando a imunidade. Também encontramos licopeno no tomate e na melancia, que são vermelhos, motivo pelo qual às vezes tratamos a herpes receitando suco de melancia ao paciente. Na medicina chinesa, a herpes representa o calor do intestino sendo expelido do corpo, e o suco de melancia neutraliza esse calor. Mas hoje temos que levar em consideração também as toxinas encontradas na melancia, pois podemos, ao mesmo tempo que curamos uma doença, provocar uma iatrogenia, causada pelo veneno residual de um alimento.

Consideramos na medicina chinesa os fatores de adoecimento internos e externos. Os fatores externos são o calor, a umidade e a friagem, entre outros. (Os fatores internos são predisposições e serão tratados posteriormente.) Como as técnicas de agricultura intensiva que começaram a ser praticadas em meados do século XX incluem muita química e venenos, também temos que considerar como fator externo a iatrogenia causada pelo seu consumo.